domingo, 16 de maio de 2010

Sobre o que de alguma forma é novo

Tratava-se, então, de algo cujo significado ele não podia explicar. Estava deitado, cansado, já era tarde e ao mesmo tempo lá estava ela a conversar com ele. Ela estava feliz, ciente do que podia fazer naquele momento: falar, falar, soprar, contar, cantar, falar. Para ela, tudo estava bem e embora já fosse madrugada, o céu estava claro como numa tarde qualquer. Tudo era novidade para ele, inclusive a bela visão da qual ele desfrutava naquele momento. Ele sabia muito bem o que se passava, mas de certo não imaginava que aquilo fosse possível. Ao lado, uma pequena divisória visivelmente separava sua cama da varanda pouco iluminada, porém bastante ventilada, onde lá estava ela ainda a contar com felicidade sobre a mediocridade alegre que, naquele momento, era a vida dos dois. Ela havia preparado uma surpresa, algo muito simples, mas que ele ainda não suspeitava. Tão simples que seu valor tornava-se inestimável, naquele momento trivial para todo o resto do mundo. Era um texto que ela havia escrito sobre ele, contando sobre a vida dele, falando quem ele era, o que ele precisava. Ela havia produzido conhecimento sobre ele. Mas, por quê? Nem isso saberia responder, mas gostava. Talvez a resposta não fosse necessária. Ela disse para ele não se preocupar e ler com calma que ela iria aguardar sentada numa velha cadeira de balanço, enquanto admirava o canto que vinha do movimento das árvores.

(...) ele acendeu o abajur, pegou os óculos que estavam próximos à cama, viu as horas no relógio, despreocupou-se. Não havia espaço para o tempo naquele ambiente. Eram páginas longas, escritas, rasuradas, grifadas, coloridas e personalizadas. Tinham marcas, mas, sobretudo, tinha o seu cheiro. Apenas ela poderia ter feito aquilo com tanta devoção. Era a única certeza dele naquele momento. Seu dever naquele instante era ler atenciosamente, degustando cada palavra, na tentativa de igualar-se a ela com a mesma dedicação que havia sido posta naqueles papéis. Ela, de facto, o conhecia bastante. Tudo estava ali. Sua vida estava naqueles papéis. Era como se ela possuísse em papéis e palavras toda a vida dele, desde sua infância até o momento em que se conheceram. Perto dela, ele era óbvio demais, pensou. A incompreensão disso tudo, essa sensação do sublime, o confortava.

Perto do fim dos escritos, ainda a ouvir a voz dela em simbiose com aquelas palavras das quais estava diante, percebeu que uma coisa havia mudado. Não era culpa de ambos, mas ao mesmo tempo também era. Algo não se completou. Mais uma vez ele desconhecia o que estava para acontecer. Ela estava lá. E aos poucos sua imagem tomava formas diluídas, como numa arte expressionista. Sua voz se distanciava. Ele infelizmente não conseguiu terminar de ler o texto que ela havia preparado com o mais sincero dos sentimentos. Ele culpava-se por isso.

Estava quente. A varanda desaparecera. Um descontentamento retornava. A porta estava fechada. Ele, enfim, acordara.




2 comentários:

  1. foi você que fez o texto? Muito lindo po!
    Eu sempre soube do seu lado "sentimentalóide". Espero que vc continue escrevendo e falando o que sente, quem sabe um dia o seu sentir se torne menos turvo e mais leve.
    Xau trepeça

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  2. Se você não tivesse me confirmado que o texto é de autoria sua, eu continuaria imaginado que se tratava de alguma obra literária já existente! Ficou ótimo!

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