Por Rosano Freire
Recife é uma cidade peculiar. Explico: localiza-se em local de estuário, convergência entre rio e mar, fertilidade propícia aos peixes, às plantas e aos sonhos. Suas ruas, tão delicadas, pedem poesia. Rua Nova, Rua da Aurora, Rua da Soledade, Rua das Ninfas, Rua da Imperatriz, Rua da Palma, Rua do Apolo, Rua de Alegria. Só alguns exemplos escassos.
E quem anda pra lá e cá, desde cedo, aprende a gostar de seu desnível e de suas pontes. Recifense que é recifense, provinciano que é, não pode estar fora da cidade, por simplórios dois dias, que já se põe a cantar "ai ai, saudade, saudade tão grande...", trechinho épico da música Frevo nº 2 do Recife, composição do boêmio miúdo Antônio Maria. Por mais estranho que isso possa ser, até do cheiro de bosta e mijo dos becos recifenses a gente consegue gostar, apreendendo-o como odor singular e único.
Em fim de tarde, então, só o barulho das buzinas para segurar as lágrimas. Ver o sol se por entre lirismo e correria não é fácil. A avenida Conde da Boa Vista, às vezes, parece ter sido inundada por toda a população do planeta. Tante gente, mal se vê o escuro do piche que cobre o chão. E você se pega imaginando quantos desejos não escondem aquelas caras sempre sérias.
Mas a minha Veneza, hoje, vive sob um ‘Pacto Pela Vida’. Sim, concordo, realmente precário o caso de uma cidade que precisa fazer um trato em prol da vida. O Recife anda triste, cabisbaixo. Os olhos de quem perambula pelas ruas já não procuram ternura, mas se protegem do perigo. Os passos, sempre apressados, já não buscam felicidade, mas fogem da tristeza. As expressões já não demonstram gentileza, mas exalam desconfiança. O Recife parece ter sido vencido pela violência.
Essa semana completaram-se oito meses da morte do garoto Alcides. E ninguém mais fala nisso. Os recifenses parecem estar inertes, vivendo pelo simples fato de viver. Vivem esquanto lhe deixarem viver, perplexos e letárgicos com a força da violência. E eu me ponho a perguntar, quantos Alcides, Paulos, Joãos, Josés o Recife vai ver sucumbir? Quantos filhos seus o Recife deixará falecer, quandos sonhos deixará enterrar, quantas mães ainda consolará?
Hoje, afundado no ínfimo do Capibaribe, está o que há de mais robusto do lixo e da alegria dessa cidade.
O Recife deságua medo e insegurança no oceano atlântico.
E eu, com o perdão da saída brusca, encerro aqui esta pobre croniqueta.
Acabaram de me roubar as palavras.
Mais um belo texto de Rosano.
ResponderExcluirMuito bom.
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