segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O marasmo assusta

(ou, o discurso sobre o tempo tedioso)

Eis que tempos de paz e bem pareciam rogar-lhe praga. Com um leve pesar, após micro-turbulências da vida trivial e anedótica de um mero mortal, a ressaca vital estava de volta para sua nova sessão de consumo, de devorações de si mesma. Em pouco tempo, não haverá mais nada... apenas questões ínfimas que serão  novamente negadas e reforçadas às amarras da irrelevância. Agora, haverá apenas a confortante desconfiança de sua própria paz. Um espetáculo de cumplicidade e cinismo. Descabidos. Deslavados. Seguindo os argumentos de um certo observador-participante que, com base numa análise da dinâmica dos fluídos e fluxos da vida contemporânea, julga minguantes as chances dos processos  físico-químicos de solidificação se efectivarem, tem-se a priori que aqui jaz a certeza inabalável da irrefreável condição do retorno. Algures, no entanto, apenas o desejo permanecia.

Eis a ressaca. Moral, epistêmica, sobretudo, vitalícia. A ressaca é o elemento principal que compõe as condições materiais que possibilitam o marasmo, a pacífica existência que às vezes parece aspirar à perenidade. Não quer, por sua vez, compromisso.

A contradição inerente ao caráter fantasmagórico do marasmo reside na crença de que ele se coloca sempre no interlúdio entre o que ora aflingiu e o que doravante releva-se como iminência. Igênua quimera pensar que o marasmo é o fim. É, pensa o observador-participante, apenas o elemento recorrente do ciclo cuja dinâmica se esconde. E há, certamente, quem se assuste com essa constatação. Todavia, antes de conceber o marasmo como estagnante, ele apresenta seu caráter dual: é, ao mesmo tempo, o que parece eternizar-se pois se finca numa sensação de perenidade do tempo; e, é passageira, como tudo nessa vida. O interlúdio, o momento da reorganização, da contemplação, da ressignificação. O instante da vida em que o interior fala, aponta, requer. O início do fim do tédio.

(...)
Ah, campos verdejantes que me fazem pensar na beleza esplendorosa para os quais este Sol vem todos os dias iluminar. O marasmo é como este belo Sol que insiste diariamente em surgir e seguir. Embora, de modo diverso, o cíclo marástico não nos traga tanta simetria. Que não dura os mesmos dias. E que não termina nas mesmas noites.

Causas-me inquietação profunda, porém breve.
Sei que logo cessarás.

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