domingo, 26 de setembro de 2010

Na busca dos benefícios cronométricos do quotidiano

Desordem reina! O pior de tudo, dentre as piores coisas, é que não lhe faltava tempo algum para fazer todas as coisas que no momento pudesse desejar. Entretanto, atravessara um período interno de defenestrações, desmaterializações e renovação vital. No entanto, encontrava-se completamente desorganizado em meio a tudo isso. Dispunha do tempo suficiente, mas não queria, no fundo, encontrar forças para conseguir a disciplina de que precisava para sua organização, para sua maximização dos benefícios cronométricos do quotidiano. Queria o presentismo dionisíaco, queria-o mais um pouco. Distanciava-se cada vez mais de seu tão amado ascetismo intramundano, pilar de sua personalidade. E o tempo, vez por outra, continuava a passar.

Para ouvir:
Time, Pink Floyd.

sábado, 18 de setembro de 2010

O que é um manifesto?


Simples questão. Sério problema.

O que é um manifesto de um mero idiota? 

A tarefa de me apontares um idiota, hoje em dia, não me parece esbanjar toda essa necessidade. É sádica, talvez. Podemos, conjuntamente, refletir sobre o problema, se é que isto constitui em si um problema a ser pensado. Todavia, enfim, no intuito de nada descartar e de pensar que o tudo e o nada ao mesmo tempo podem nos prover algo, deve haver alguém que concorde em se questionar sobre o manifesto aqui, hoje. Duas questões, em particular, me perturbam. O que manifestar e contra o que? Contra quem? É de natureza simples, reconheço, mas certamente não me convence que pode ser algo que advenha de um tema sutil. Não, por favor, não me venha com essa! Não há sutileza em, por segundos, perceber-se acorrentado, ironizado, ridicularizado, ao mesmo tempo em que se é liberto, compreendido, operacionalizado. Sem sarcasmos. Sem ressalvas.

Muito do que penso converge para o que me foge. Muito do que me foge, no entanto, às vezes retorna. Se retorna, o faz com propósito, com compromisso, embora me amedronte, pois o que é propósito pode nada propor além de uns dez centavos de iluminação, mera fugacidade diante de um cotidiano que mais parece a eternidade. Mas, creio não ser meu interior que o perturbe, que o amedronte. Será o exterior, então? Assim, eu tento proteger o que às vezes me retorna. Dou-lhe forma, torno-o passível de conteúdo, interpretação, crítica, amor e rejeição.

O manifesto de um mero idiota é, antes de qualquer coisa, aquele manifestar-se que não mais pode se concretizar enquanto tal. É o manifesto que existe onde não há possibilidade de ser manifesto. É o vivo exemplo de algo que perdeu seu sentido num espectro de sentidos finitos, históricos. Sentidos dentro dos quais própria dimensão de infinitude não é mais do que uma simples faceta generosa, por vezes, ocultista. Inibidora do real. O manifesto de um idiota é aquele que perdeu seu próprio sentido na História. Sua força motriz, sua vivacidade diante das múltiplas instituições frente ao que rebelar-se se encontram esfaceladas frente ao cotidiano dos tempos. É o que se esgota antes mesmo de ser pré-fabricado. É o que é cantado, muito antes de ser composto. É o que é escrito, pensado, falado, sentido, muito antes de serem, por alguém, descrito em verbetes, mentalmente esquematizado, sentido no calor carnal, verbalizado num simples e corriqueiro "bem dizer".

É o esgotamento da própria vez na medida em que todos os sentidos são sentidos, no tempo em que todos os sentidos são possíveis.

É o que se foi, mesmo antes de chegar, ficar e ter a chance de me deixar.
_ _ _ _ _ _
VIEIRA CAMPOS, F. H. Reflexões pós-conversa de mesa de bar II.

Pós-modernidade


A nos atormentar, nada mais do que uma pequena palavra, um pequeno termo, um gesto singelo. Aprumava nossa direção, nos empurrava à frente. E íamos, íamos, sim, nós íamos. Mas o chão, o caminho sobre qual andávamos, estava demasiadamente encerado. O tempo e espaço eram escorregadios e, quanto mais caminhávamos para o fim, mais nos encontrávamos no começo.

Os atalhos não existiam, as placas também não... Nada! Nada como andar sem direção. E mais uma vez voltei ao começo. E ao começo, ao começo, ao começo. Num eterno movimento pendular. E voltando ao começo, mais uma vez chegando a ele... Destruí-o para poder me libertar.

Com a borracha à mão, apaguei delicadamente a covarde palavra.

E andei em todas as direções e caminhos de outrora, mas agora sabendo para onde estava indo.
_ _ _ _ _ _
FREIRE, Rosano. Reflexões pós-conversa de mesa de bar.